
Água para colher Futuro
O documento “Água para colher Futuro: 20 anos do programa cisternas”, publicado recentemente pelo Governo Federal, analisa, como o próprio título já sugere, o impacto dos 20 anos Programa de Cisternas no semiárido brasileiro. Não apenas celebra conquistas, mas também olha para as fragilidades internas e se propõe a ser um guia para o futuro. A meta anterior de um milhão de cisternas já foi atingida no Semiárido, mas ainda há famílias em situação de insegurança hídrica na região. E nessa direção, há três grandes desafios: recuperar mais de duas mil cisternas antigas, investir na construção de mais de 200 mil novas cisternas e expandir o programa para a Amazônia, num investimento total de 1,7 bilhões de reais. As cisternas, na leitura do Governo, já são cases de sucesso: contribuíram para a redução de doenças de veiculação hídrica, melhorou a qualidade de vida das comunidades em situação de escassez de água e empoderou as mulheres, que historicamente sempre foram as mais sobrecarregadas com a tarefa de buscar água.
Outro ponto que chama atenção é a leitura da atuação das cisternas como uma estratégia de adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas: ao coletar e armazenar água da chuva, combinando saberes tradicionais com tecnologia social, as cisternas contribuem para o enfretamento de longos períodos de estiagem, reduzindo riscos socioambientais e oferecendo alternativas sustentáveis e resilientes em cenário de crescentes eventos climáticos extremos. O texto, embora de natureza governamental, não se esquiva de apontar fraquezas, como a falta de manutenção e de capacitação adequada das comunidades para a gestão das cisternas; coloca em discussão a dependência de políticas públicas e de financiamentos externos, que podem ser instáveis e comprometer a continuidade do programa a longo prazo; deixa claro que a água para consumo humano é fundamental, mas é preciso investir em tecnologias de acesso à água para produção de alimentos, como as cisternas calçadão, que possibilitam o desenvolvimento da agricultura familiar e a segurança alimentar; e inova ao propor a integração das cisternas com outras políticas de desenvolvimento rural e segurança alimentar, o fortalecimento a participação comunitária e a gestão social da água, garantindo que as comunidades sejam protagonistas na solução de seus próprios problemas.
Por outro lado, uma leitura crítica e estratégica do documento evidencia pelo menos cinco grandes lições das cisternas: (1) Tecnologia Social é uma ferramenta poderosa – a cisterna não é apenas um reservatório, mas uma ferramenta de autonomia e dignidade. A eficácia de uma política pública não depende de soluções complexas ou caras, mas da sua adequação ao contexto social e ambiental; (2) Participação popular é fundamental – o envolvimento das famílias no processo de construção, gestão e manutenção garante o senso de pertencimento e a sustentabilidade da iniciativa a longo prazo; (3) Articulação entre Estado e Sociedade Civil é crucial – A parceria entre o governo, as ONGs e a sociedade civil organizada, em especial a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), foi um dos pilares do sucesso do programa; (4) Capacitação e educação para a autonomia – o programa não se limitou a entregar cisternas; investiu em capacitação técnica e educação para a gestão da água; e (5) Adaptação local como estratégia de mitigação de crises – prova que políticas públicas que partem do reconhecimento das vulnerabilidades locais e oferecem soluções adaptadas, são mais eficazes e resilientes. Fiquemos com mais uma lição do texto: A água é muito mais do que um recurso essencial para a sobrevivência; ela é um direito previsto na Constituição Federal e um pilar fundamental para a promoção da segurança alimentar e nutricional.