Publicado originalmente na Revista Nordeste, este artigo de opinião assinado pelo diretor do IDENE, Adroaldo Quintela, em coautoria com o ex-ministro Ricardo Berzoini, propõe uma análise crítica e propositiva sobre o contexto macroeconômico atual. Às vésperas da reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN), marcada para o dia 23 de julho, os autores defendem a necessidade de um reajuste prudencial da meta de inflação para 4,5%, considerando os efeitos da conjuntura internacional, especialmente após o anúncio de novas tarifas dos Estados Unidos contra o Brasil.
O Conselho Monetário Nacional tem reunião agendada para o dia 23 de julho próximo para definir a meta de inflação. Trata-se de decisão estratégica para o futuro do país, e procuramos explicá-la de forma transparente nas linhas a seguir.
Como sabemos, a taxa básica de juros condiciona uma série de variáveis da economia. Entre os exemplos mais relevantes, destacam-se o financiamento da política habitacional e de saneamento básico em um país que ainda é carente nas duas áreas. Além disso, impacta diretamente os financiamentos necessários à política de reindustrialização do Brasil, bem como os arranjos financeiros voltados à renovação e ampliação da infraestrutura nacional — esta ainda bastante defasada em relação ao mundo e às nossas necessidades internas.
Errar na avaliação das condições conjunturais que fundamentam a decisão sobre a meta de inflação para 2025/2026 pode ser fatal tanto para este governo quanto para o futuro do país.
O Banco Central, como se sabe, utiliza modelos que calibram a taxa SELIC com base na meta inflacionária. No entanto, mesmo em um cenário mais tranquilo, não conseguiu fazer a inflação convergir para o limite superior da meta de 3%, apesar de praticar a maior taxa de juros do planeta. Diante disso, o que se pode esperar do comportamento dos preços, do mercado e dos agentes econômicos frente ao tarifaço político de 50% anunciado por Trump, a ser implementado já no primeiro dia de agosto?
É fato que, após o anúncio de 9 de julho, a queda da Bolsa de Valores e o aumento do dólar foram menores do que se esperava. Esse movimento se explica, em parte, porque o mercado financeiro acredita que Trump está blefando. Ele já voltou atrás em medidas similares envolvendo países que apresentavam superávit comercial com os Estados Unidos.
Entretanto, nos setores exportadores mais afetados pelo tarifaço, já se antevê um possível aumento nos custos dos produtos industriais. Isso se deve à aceleração da produção e ao pagamento de horas extras, com o objetivo de antecipar os embarques antes do chamado “mês do desgosto”.
As tarifas impostas pelos EUA sobre produtos brasileiros, europeus, canadenses, mexicanos e outros inauguram um período de incertezas que desaconselha metas inflacionárias ousadas. Ao contrário, exigem do Conselho Monetário Nacional maior flexibilidade e a prudência de não se prender a uma meta apenas para agradar ao “mercado”.
É preciso destacar ainda que a medida anunciada por Trump carece de racionalidade econômica. Diferentemente de casos anteriores em que recuou após negociação, a situação do Brasil parece seguir um curso distinto.
Pode ser que Trump recue. Mas também pode resolver endurecer politicamente, como estratégia para atacar os avanços diplomáticos e comerciais que o Brasil projeta no âmbito dos BRICS. Nesse cenário incerto, a decisão do Conselho Monetário Nacional — composto pelos ministros da Fazenda e do Planejamento, e pelo presidente do Banco Central — será tomada sob o impacto direto de uma decisão política do ciclotímico presidente dos Estados Unidos.
Diante disso, é prudente — e decisivo — elevar a meta de inflação para 4,5%. A medida dará maior margem de manobra ao governo, aos setores impactados e à economia brasileira como um todo para absorver os efeitos colaterais do anúncio de Trump. Além disso, retirará do COPOM argumentos frágeis para sustentar uma política monetária tão nociva quanto as próprias incertezas do cenário internacional.
Coragem, ministros.
Parafraseando Guimarães Rosa: o que a conjuntura quer de vocês é coragem.
Sobre os autores
Adroaldo Quintela é diretor do Instituto de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste (IDENE), economista e especialista em planejamento público. Atua na formulação de políticas para o desenvolvimento regional com foco na integração produtiva e redução das desigualdades territoriais.
Ricardo Berzoini é ex-ministro do Trabalho e Emprego, da Previdência Social, das Comunicações e da Secretaria de Governo da Presidência da República. Foi deputado federal por cinco mandatos consecutivos, dirigente sindical e membro histórico do Partido dos Trabalhadores. Atua atualmente como consultor e analista político.