A imposição de tarifas por parte dos Estados Unidos, iniciada na gestão do presidente Donald Trump, trouxe repercussões relevantes para o comércio exterior brasileiro. Apesar da histórica condição de déficit do Brasil na balança comercial com os EUA que se intensifica quando se inclui a conta de serviços, a medida gerou preocupação, sobretudo em setores específicos da pauta exportadora nacional.
De acordo com os dados das Nações Unidas (UN COMTRADE), os Estados Unidos (inclusive territórios) exportaram para o Brasil US$ 49,6 bilhões em mercadorias e importaram US$ 44,2, bilhões dos produtos brasileiros.

Olhando para os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) pelo COMEXSTAT, analisando somente os produtos enviados diretamente aos Estados Unidos, esse montante soma US$ 41,9 bilhões em 2024, ou seja, é basicamente o que estava em risco diante do anúncio precipitado de Trump de tarifar todas as importações de produtos brasileiros, que em virtude da condução política do Brasil, foi relativamente mitigado em cerca de US$ 18,3 bilhões[1], visto que 1388 produtos foram isentados do tarifaço conforme anunciado na carta intitulada “ENFRENTANDO AS AMEAÇAS AOS ESTADOS UNIDOS PELO GOVERNO DO BRASIL (Addressing Threats To The United States By The Government Of Brazil).
Inicialmente é importante considerar que não é o fim do mundo para o Brasil. Embora os Estados Unidos sejam um parceiro comercial relevante, o Brasil conta com outros. Em 2024, as exportações para os EUA representaram 12% das exportações brasileiras e 15,5% das importações. Além disso, é importante ponderar que as exportações brasileiras para os Estados Unidos são, com algumas exceções, como aviões e alguns manufaturados metálicos, bens de baixo valor agregado, classificados como intermediários (54,3%) e que servem para fomentar a própria atividade econômica estadunidense. Um exemplo disso é a exportação de grãos de café, que não são essencialmente direcionados para o consumo final. Os grãos ainda serão processados e terão valor adicionado dentro do território americano. Esse exemplo revela o papel do Brasil como elo fornecedor dentro das cadeias globais de valor (CGV), fornecendo insumos e matérias-primas processadas para indústrias estadunidenses.

Observando especificamente a agenda do Nordeste, constatamos que a participação dos Estados Unidos na pauta guarda semelhança com a relação nacional, com pouca diferença percentual, cerca de 11,1% das exportações nordestinas são comercializadas com o país e totalizam US$ 2,8 bilhões, de um total de US$ 22,4 bilhões.
Com base no gráfico 3, pode-se notar que as exportações do Nordeste brasileiro para os Estados Unidos são fortemente concentradas em bens intermediários, que somam aproximadamente R$ 2,29 bilhões, o que representa expressivos 82,01% do total exportado. Em seguida, aparecem os bens de consumo, com R$ 419,1 milhões e 15,02% de participação. O que acentua a condição de especialização regressiva da região, com baixa incorporação tecnológica e menor geração de valor agregado local, intensificando sua vulnerabilidade frente a choques externos.

Combustíveis e lubrificantes respondem por 2,88%, com cerca de R$ 80,5 milhões, enquanto os bens de capital têm participação quase residual, com apenas R$ 2,39 milhões, ou 0,09%. Esses dados reforçam o perfil das exportações nordestinas para o mercado norte-americano como predominantemente composto por produtos de menor valor agregado, utilizados como insumos em cadeias produtivas estrangeiras, e não como bens voltados ao consumo final, o que indica uma relação de complementaridade produtiva mais do que de consumo direto.

Exportações do Nordeste: estrutura vulnerável
Analisando o impacto para as exportações dos Estados do Nordeste brasileiro, observa-se uma variação significativa no que diz respeito à vulnerabilidade em relação ao tarifaço. Em ordem decrescente de percentual exportado, tem-se: Ceará 44,9% da pauta com a cifra de US$ 659 milhões; Paraíba 21,6% e US$ 205,2 milhões; Sergipe 17,1% e US$ 72,2 milhões; Maranhão 13,4% e US$ 748,6 milhões; Pernambuco 9,4% e US$ 205,2 milhões; Alagoas 8,8% e US$ 79,3 milhões; Bahia 7,4% e US$ 882,1 milhões; Rio Grande do Norte 5,9% e US$ 67,1 milhões, e Piauí com 3% e US$ 42,1 milhões. Percentuais maiores indicam dependência comercial e sensibilidade externa, especialmente para estados como Ceará e Paraíba, que concentram parcela expressiva de sua pauta em um único mercado.

Em termos de valor exportado, o ranqueamento é diferente. Considerando o valor absoluto das exportações aos Estados Unidos, observa-se que a Bahia lidera com US$ 882,1 milhões, seguida pelo Maranhão, com US$ 748,6 milhões, e pelo Ceará, que exportou US$ 659 milhões. Na sequência, aparecem a Paraíba e Pernambuco, com US$ 205,2 milhões; Alagoas, com US$ 79,3 milhões; Sergipe, com US$ 72,2 milhões; Rio Grande do Norte, com US$ 67,1 milhões; e, por fim, o Piauí, com US$ 42,1 milhões.

Ressalte-se que os impactos das medidas tarifárias não se distribuem de forma linear entre os estados, dado que cada Unidade da Federação possui uma estrutura exportadora específica e um grau distinto de exposição às mercadorias afetadas. Para mensurar os efeitos reais do tarifaço, foi adotada uma metodologia baseada no cruzamento entre os códigos tarifários norte-americanos (HTSUS) e as classificações brasileiras de mercadorias (NCM), reconhecendo-se, entretanto, possíveis assimetrias decorrentes das diferenças nos sistemas de codificação.
Com base nos dados atualmente disponíveis, é possível estimar que as isenções concedidas pelos Estados Unidos, abrangendo as 1.388 mercadorias, foram decisivas para mitigar os efeitos potenciais das tarifas sobre o Nordeste brasileiro. No agregado regional, das exportações totais de R$ 2,79 bilhões destinadas ao mercado norte-americano em 2024, aproximadamente R$ 1,07 bilhão (ou 38,5%) foram resguardados por isenções, reduzindo o impacto efetivo das medidas tarifárias para R$ 1,71 bilhão.
Ceará lidera o ranking dos estados mais expostos ao tarifaço
Na análise individualizada, o Ceará aparece como o estado mais afetado em termos absolutos, com R$ 649,9 milhões em exportações atingidas. A alta exposição se deve à já citada dependência do mercado estadunidense e à baixa cobertura de isenções, limitadas a apenas 1,4% dos embarques. Em seguida, destaca-se a Bahia, com um impacto de R$ 590,8 milhões, mesmo com 33% de suas exportações aos EUA amparadas por isenção. O terceiro estado mais atingido é Pernambuco, cujo impacto soma R$ 179,9 milhões, apesar de uma cobertura parcial de isenções (12,3%).
Estados como Alagoas (R$ 79,1 milhões) e Maranhão (R$ 68,4 milhões) também figuram na lista dos mais afetados, mas com impactos relativamente menores, explicados no caso maranhense por uma expressiva cobertura de isenções (90,9%), que atuou como importante fator de mitigação. Por outro lado, o menor impacto absoluto foi registrado em Sergipe, com R$ 17,1 milhões, beneficiado por um nível elevado de isenções (69,2% de suas exportações aos EUA).
O ranking das unidades federativas mais afetadas pelo tarifaço, em valores absolutos, é o seguinte:
Ceará – R$ 649.958.870
Bahia – R$ 590.791.091
Pernambuco – R$ 179.998.678
Alagoas – R$ 79.176.654
Maranhão – R$ 68.410.840
Rio Grande do Norte – R$ 60.124.387
Piauí – R$ 36.654.957
Paraíba – R$ 35.003.390
Sergipe – R$ 17.182.666
Tabela 1. Exportações do Nordeste para os Estados Unidos, região e UF’s de 2024, isenções estimadas, Participação das isenções na exportação total e impacto do tarifaço. Valores em US$ e part em (%).
UF | Exportações Para os EUA (A) | Isenções Estimadas (B) | Part (%) Isenções na Exportação total (C) | Impacto do Tarifaço¹ (D) (A-B) |
Alagoas | 79.310.198,00 | 133.544,00 | 0,2% | 79.176.654,00 |
Bahia | 882.078.681,00 | 291.287.590,00 | 33,0% | 590.791.091,00 |
Ceará | 659.075.573,00 | 9.116.703,00 | 1,4% | 649.958.870,00 |
Maranhão | 748.638.788,00 | 680.227.948,00 | 90,9% | 68.410.840,00 |
Paraíba | 35.639.543,00 | 636.153,00 | 1,8% | 35.003.390,00 |
Pernambuco | 205.166.367,00 | 25.176.689,00 | 12,3% | 179.989.678,00 |
Piauí | 42.063.932,00 | 5.408.975,00 | 12,9% | 36.654.957,00 |
Rio Grande do Norte | 67.130.601,00 | 7.006.214,00 | 10,4% | 60.124.387,00 |
Sergipe | 72.194.505,00 | 55.011.839,00 | 76,2% | 17.182.666,00 |
Nordeste | 2.791.298.188,00 | 1.074.005.655,00 | 38,5% | 1.717.292.533,00 |
Fonte: COMEXSTAT, valores somente diretamente comercializados com os EUA (não inclui territórios); White House, Addressing Threats To The United States By The Government Of Brazil, ¹impacto mensurado considerando o valor das exportações de produtos não isentos.
Estados que conseguiram escapar dos impactos mais severos
Em contrapartida, os dados também revelam os estados mais beneficiados pelas isenções, cujas pautas exportadoras conseguiram escapar em grande parte do tarifaço. O destaque absoluto é o Maranhão, cujas isenções cobriram impressionantes 90,9% das exportações aos EUA, reduzindo o impacto a apenas R$ 68,4 milhões, mesmo com um volume expressivo de vendas (R$ 748,6 milhões). Também se destacam Sergipe, com 69,2% das exportações isentas e impacto de apenas R$ 17,1 milhões, e o Rio Grande do Norte, com 10,4% de isenção, o que ajudou a conter o impacto em R$ 60,1 milhões.
Além dos efeitos diretos sobre o setor exportador brasileiro, é importante destacar que as tarifas impostas pelos Estados Unidos também produzem repercussões negativas significativas sobre a própria economia americana. Ao tarifar um fornecedor relevante como o Brasil, especialmente em segmentos de bens intermediários, o governo dos EUA acaba onerando suas próprias cadeias produtivas, encarecendo insumos industriais e elevando custos de produção para suas empresas, o que pode pressionar a inflação interna, reduzir a competitividade internacional e até mesmo inviabilizar determinados mercados internos e externos.
Não por acaso, a decisão de isentar 1.388 mercadorias reflete uma tentativa de equilibrar os interesses protecionistas com os riscos macroeconômicos internos, sinalizando que o tarifaço não é neutro nem politicamente sustentável no longo prazo. Além disso, os efeitos colaterais da medida no comércio global ainda precisam ser devidamente mensurados, especialmente diante de um cenário em que o Brasil, até o momento, não adotou medidas retaliatórias formais contra produtos americanos. Essa postura de contenção, no entanto, não exclui a possibilidade de retaliação futura, o que configura uma carta diplomática relevante, embora potencialmente arriscada para ambos os lados. Em suma, os desdobramentos desse episódio devem ser acompanhados com atenção, pois envolvem não apenas variáveis comerciais, mas também estratégicas e geopolíticas de médio e longo prazo.
A imposição de barreiras comerciais por parte dos EUA, ainda que parcialmente mitigada pelas isenções, impõe ao Brasil e, em particular ao Nordeste, o desafio de diversificar mercados, sofisticar sua pauta exportadora e fortalecer sua inserção nas cadeias globais de valor. Ao mesmo tempo, reforça a urgência de uma governança comercial mais estratégica, com instrumentos capazes de antecipar e amortecer choques externos, e de proteger setores mais expostos em cada território estadual.
[1] Estimativa com base nos 6 primeiros dígitos da codificação de mercadorias, pois há divergências nas categorizações dos Estados Unidos(HTSUS) em relação as categorizações adotadas pelo Brasil (NCM8).
Autores:
João Marques – Economista, Socio fundador e Diretor de Articulação Institucional do IDENE
Michel Teixeira – Economista, Socio fundador e assessor da Presidencia do IDENE.